A democracia direta ou semidireta se exerce de diversas formas pelo mundo, no Brasil, sua forma mais conhecida são os projetos de lei de iniciativa popular. É por meio deste instrumento que a população pode ter iniciativa na forma da lei e participar de maneira mais direta da vida pública. Outro termo muito utilizado além do de democracia direta é o de democracia participativa.
A democracia direta tem suas origens na antiguidade, seu primeiro registro histórico parte de Atenas, na Grécia Antiga, onde os cidadãos se reuniam em uma praça pública e discutiam, além de decidir os rumos que a cidade iria tomar, todos com direito a voz e voto. Uma diferença básica desse sistema para a democracia representativa é de que nesse caso a responsabilidade da representação não é passada para outro, o seu poder de decisão enquanto cidadão não é transferido para as mãos de outra pessoa.
Obras, leis e o conjunto de condutas do cotidiano de uma cidade, todas essas decisões ficam à cargo dos cidadãos que decidem o que irá ou não ocorrer. Esse modelo, claro, não é plenamente possível de se implementar em qualquer localidade, dadas as proporções para se convocar uma sessão ou assembleia, seja pela problemática de se encontrar um lugar que aloque a todos ou pelo fato de que não seria possível analisar todas as opiniões e dar voz para toda e qualquer manifestação que for realizada em razão do tempo.
O instrumento de projetos de iniciativa popular no legislativo
O mecanismo apelidado de “projeto de iniciativa popular” é uma possibilidade que consta na Constituição Federal de 1988 e permite ao cidadão a participação direta no processo de sugestão de projetos de lei e na agenda política do país, estados ou municípios. Para efeito de análise, neste artigo, vamos nos debruçar nas regras para sua apresentação no nível federal, no Congresso Nacional e na Câmara Municipal de São Paulo, nível municipal.
Antes de tudo, é preciso buscar a organização onde é desejado que o projeto seja tramitado e aprovado, seja no Congresso Nacional, Câmara Municipal ou Assembleia Legislativa, lá é preciso solicitar o formulário padrão, é por meio desse formulário que será realizada a coleta de assinaturas, um dos passos mais trabalhosos para atingir o objetivo de se pautar um projeto de lei de iniciativa popular na agenda legislativa. No caso federal, são necessárias 1% das assinaturas de eleitores de todo país, distribuídas por, no mínimo, cinco estados da Federação. Já dentro destes estado também é preciso obedecer outra regra: que a totalidade de assinaturas atinjam a marca de, no mínimo, três décimos dos eleitores daquela localidade.
Após o processo de coleta de assinaturas, que pode ser realizado com ajuda de ONGs, internet e toda sociedade os formulários de assinaturas precisam ser protocolados na organização legislativa em que se deseja a tramitação, como especificado aqui, estamos tratando do caso federal, onde após a apresentação dos formulários é emitido um protocolo, por meio dele é possível acompanhar a tramitação do projeto no legislativo. Vale ressaltar que os projetos de iniciativa popular não tem nenhuma diferenciação para um projeto apresentado por um parlamentar, seguem os mesmos trâmites, passando por comissões, até chegar ao plenário da casa legislativa.
Outro ponto que vale o destaque é o de que: “não poderá ser rejeitado (o projeto de iniciativa popular) por vício de forma, cabendo à Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação”, sendo assim, eventuais erros presentes na redação de um projeto de lei de iniciativa popular tem de ser corrigidos pelo setor técnico do legislativo, não podendo o projeto ser derrubado por este tipo de motivação, esta informação está descrita no parágrafo segundo, artigo 13 da Lei LEI Nº 9.709, DE 18 DE NOVEMBRO DE 1998, que regulamentou os incisos um, dois e três do artigo 14 da Constituição Federal.
Já na municipalidade, é preciso o levantamento de cinco por cento das assinaturas do eleitorado municipal para que o projeto seja protocolado na Câmara Municipal, assim como no nível federal, o projeto não poderá ser derrubado por conter erros técnicos ou receber uma diferenciação de tratamento em seu trâmite com relação ao que um projeto de autoria parlamentar recebe.
Casos de projetos de iniciativa popular que viraram lei
Para exemplificar este assunto, pode-se citar um dos exemplos mais conhecidos da mobilização popular no Brasil, que de um projeto de iniciativa popular se resultou numa lei aprovada, em nível federal. Se trata da “Lei Ficha Limpa”, encampada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, ela, em linhas gerais, estabelece que é proibida a eleição de candidatos condenados por órgão colegiado a cargos políticos.
Outro caso bem conhecido é o da Lei Daniella Perez, filha da autora Glória Perez, Daniella, que era atriz, estava no ar na televisão na época em que foi assassinada por seu colega de trabalho Guilherme de Pádua e a esposa de Guilherme, Paula Nogueira Thomaz. O movimento de coleta de assinaturas neste caso foi emcapado por Glória Perez, que se indignou com a facilidade que os acusados tiveram na justiça, tendo direito à fiança, e após condenação o direito ao regime semiaberto como parte da pena. A proposta de lei então buscou colocar o homicídio qualificado como um tipo de crime hediondo, tendo assim punições mais severas. Em 1994, esse projeto de lei foi sancionado e virou lei em todo país.
Desse modo, destaca-se, por fim, que o mecanismo de iniciativa popular apresenta bons êxitos no país, seja em nível federal, como também nos municípios ou estados que também possuem outros exemplos de leis aprovadas por meio dessa organização da população em torno de seus interesses. É preciso, contudo, para melhorar essa situação, disseminar o seu conhecimento por todo país, de modo que o processo de coleta de assinaturas e a cultura de participação da população nestes processos se dê com maior frequência, contribuindo para uma maior educação política dos cidadãos brasileiros.
Kauan Alves
Aluno de graduação do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP - Universidade de São Paulo na EACH - Escola de Artes, Ciências e Humanidades.
Para a disciplina de Direito Constitucional, ministrada pelo Prof. Dr. Marcelo Arno Nerling.
28/05/2019.
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